Sua notícia diária em primeia mão!
sexta-feira 13, junho, 2025
Sua notícia diária em Primeira mão!
sexta-feira 13, junho, 2025
Desde Março de 2018

-

spot_img

Religião sob influência: como igrejas moldam cultos ao gosto do algoritmo

Igrejas se adaptam à lógica das redes sociais para evangelizar, arrecadar recursos e aumentar o engajamento de fiéis; especialistas alertam para riscos da fé baseada em performance digital

Nos bastidores de uma igreja evangélica de grande porte em Aparecida de Goiânia, o culto de domingo à noite começa antes da oração inicial. Às 16h30, uma equipe de audiovisual entra em ação com câmeras, roteiros de corte, planejamento de thumbnails e estratégias para reels. Quando o pastor sobe ao púlpito, não fala apenas para os fiéis sentados nos bancos. Ele prega para o TikTok, para o Instagram e para o YouTube — e para o algoritmo que decide quantas pessoas verão aquela mensagem.

A cena, que se repete em templos e comunidades religiosas por todo o país, reflete uma transformação mais ampla: a fé organizada ou a operar também como influência digital. “Não estamos mais falando apenas de evangelização. Estamos falando de performance, de storytelling e de engajamento. É a fé em formato de conteúdo”, avalia o sociólogo da religião Davi Rios.

Cultos mais curtos, câmeras em 4K e legendas com emojis

A dinâmica da evangelização online levou igrejas a adaptarem formatos e linguagens. Em Goiânia, os cultos presenciais agora são editados ao vivo para que trechos possam ser convertidos em vídeos curtos, de no máximo 90 segundos, voltados às plataformas. “Sabemos que o TikTok recompensa o conteúdo emocional, direto e com boa edição visual. Então, formatamos nossos momentos de oração e testemunho para esse tipo de corte”, afirma Elisa Tomé, coordenadora de comunicação digital da igreja.

Segundo ela, vídeos com temas como cura, transformação e libertação espiritual têm desempenho superior em relação a pregações teológicas mais complexas. “Se um vídeo com a frase ‘Deus restaurou meu casamento’ alcança 300 mil visualizações, adaptamos o conteúdo do próximo culto para explorar esse tema de forma mais direta”, explica.

A decisão de pauta, portanto, a a depender não apenas de orientação pastoral, mas das métricas de alcance, retenção e engajamento oferecidas pelas próprias plataformas.

Algoritmo se torna o novo liturgo invisível

Para a pesquisadora Paula Menezes, doutoranda em comunicação religiosa, o algoritmo opera hoje como um “liturgista invisível”, que condiciona o que será mostrado e para quem. “As redes priorizam conteúdos que prendem a atenção. Com isso, a lógica da fé também é moldada pelo tempo de tela. A espiritualidade se adapta à linguagem da viralização”, afirma.

Essa mudança é visível tanto na forma como os cultos são organizados quanto na figura do líder religioso. Pastores e padres com maior desenvoltura nas redes sociais ganham status de influenciadores espirituais. Muitos mantêm rotinas de publicações com vídeos devocionais diários, transmissões ao vivo e séries semanais com temas como ansiedade, prosperidade, batalha espiritual e vida amorosa.

“Vemos uma substituição parcial da autoridade institucional pela autoridade performática”, analisa o teólogo Maurício Lobo. “Não é a formação teológica que gera engajamento, e sim a capacidade de comunicação em ambientes digitais.”

Arrecadação e marketing de conversão

Outro aspecto que acompanha a digitalização é a arrecadação de recursos. Com o avanço das transmissões ao vivo, o momento da oferta também ganhou novo formato: QR Codes na tela, links integrados a sistemas de doação recorrente e mensagens emotivas com CTA (call to action) explícito.

“Hoje, utilizamos estratégias similares às do e-commerce. Criamos campanhas semanais, programamos e-mails automáticos e produzimos vídeos exclusivos para os doadores recorrentes”, afirma Leandro Braga, analista de captação digital e consultor de igrejas de pequeno e médio porte no Centro-Oeste.

De acordo com estimativas da Rede de Pesquisas em Religião e Tecnologia (RePret), igrejas com presença consolidada no ambiente digital arrecadam, em média, 35% de suas receitas mensais por canais online — percentual que tende a crescer nas regiões metropolitanas.

Fé sob risco de esvaziamento teológico

O movimento, no entanto, não ocorre sem tensões. A busca por visibilidade pode colocar em segundo plano a profundidade teológica e litúrgica. “A fé baseada em tendências pode se tornar fragmentada, voltada apenas ao que viraliza. Isso compromete o amadurecimento espiritual da comunidade”, alerta Rita Calegari, psicóloga e pesquisadora de comportamento religioso.

Para ela, o desafio contemporâneo das igrejas é equilibrar presença digital com conteúdo substancial. “O problema não é o meio, mas a lógica do meio. O algoritmo privilegia o impacto, a emoção rápida, o efeito. Mas a espiritualidade exige tempo, silêncio, contramão. Nem sempre o que transforma é o que engaja”, diz.

Uma nova ágora espiritual

A dinâmica de redes como Instagram e TikTok vem redefinindo também a noção de comunidade religiosa. “A igreja se torna uma experiência multiplataforma. O fiel pode nunca ter entrado fisicamente no templo, mas sente-se parte da comunidade por meio dos conteúdos”, afirma Davi Rios. Essa nova ágora digital é onde fé, entretenimento, identidade e consumo espiritual se misturam.

Em um país com mais de 150 milhões de usuários ativos nas redes sociais, a evangelização via plataformas digitais está longe de ser um fenômeno periférico. Ela redefine a forma de crer, de pertencer e de doar. E enquanto fiéis seguem evangelizando por stories, o algoritmo segue decidindo quem será alcançado pela próxima pregação.

Link para compartilhar:

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Últimas noticias

OPINIÃO | Odete Roitman não morreu: ela se adaptou ao novo tipo de poder

Odete Roitman continua viva. Não só nas reprises da televisão ou nos memes que circulam a cada escândalo político...

Mauro Cid é preso novamente após depoimentos que ligam Bolsonaro a plano de golpe

Ex-ajudante de ordens do ex-presidente é acusado de obstrução de justiça e violação de medidas cautelares. STF trata Cid...

TCE rejeita contas de 2021 do prefeito de Colinas do Tocantins por irregularidades em previdência, educação e gastos com pessoal

📝 Por Ricardo Fernandes | Diário Tocantinense -O Tribunal de Contas do Estado do Tocantins (TCE-TO) rejeitou as contas...

Brasil registra pela primeira vez descoberta própria de chuva de meteoros

Confirmada em 12 de junho, Epsilon Gruids (EGR) marca entrada oficial da ciência nacional no mapa internacional da astronomia...
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_img

Ex-ministro de Bolsonaro, Gilson Machado é preso pela Polícia Federal em nova fase da Operação Lava Jato

Prisão ocorre em desdobramento da investigação sobre desvio de recursos públicos; defesa ainda não se manifestou oficialmente 📝 Por Ricardo...

Últimas vontades médicas: um direito garantido à sua autonomia

Em tempos de avanços da medicina, mas também de dilemas éticos, um documento tem ganhado cada vez mais relevância...
spot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img