Professor Carlos André aponta falhas na fundamentação, riscos à autonomia de estados e municípios e alerta para a ausência de debate sobre a proteção da língua como símbolo nacional
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucionais leis municipais que proibiam o uso da linguagem neutra em ambientes escolares e materiais didáticos abre um debate sensível no campo do direito educacional e constitucional. Na avaliação do advogado e professor Carlos André, especialista em linguística jurídica e direito educacional, a decisão é atécnica, gera insegurança jurídica e fragiliza a autonomia federativa.
“A Constituição estabelece que a União detenha competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação (Art. 22, XXIV), mas isso não significa exclusividade absoluta. O próprio Art. 24, inciso IX, confere competência concorrente a Estados, Municípios e Distrito Federal, especialmente para tratar de suas particularidades locais. Esse ponto foi ignorado na decisão do Supremo”, afirma Carlos André.
Fragilidade constitucional e omissão sobre a língua como símbolo nacional
O especialista também chama atenção para outro ponto considerado negligenciado pela Corte: o valor simbólico da língua portuguesa no ordenamento jurídico brasileiro.
“A língua não é apenas um instrumento pedagógico. Ela é, constitucionalmente, um símbolo nacional, conforme o Art. 13 da Constituição. Isso significa que mudanças envolvendo seu uso, sobretudo no ambiente educacional, demandam debates legislativos mais amplos e não decisões pontuais, tomadas no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade”, argumenta.
Ele destaca ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) reforça esse entendimento, ao estabelecer que cabe à União definir conteúdos mínimos para o ensino obrigatório (Art. 9º, IV), sem que isso se estenda, até o momento, a questões linguísticas como a adoção ou proibição da linguagem neutra.
Contradição federativa: autonomia em saúde, restrição na educação
A decisão do STF também é vista como contraditória em relação a precedentes recentes. Durante a pandemia de COVID-19, o Supremo atribuiu a Estados e Municípios a autonomia para formular políticas públicas locais na área da saúde.
“Por que, na saúde pública, essa autonomia foi reconhecida e, agora, no campo educacional, ela é restringida? Isso gera uma inconsistência perigosa e aprofunda a insegurança federativa”, questiona Carlos André.
Efeito vinculante e impacto nacional
Por ter sido proferida no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a decisão do STF possui efeito vinculante. Isso significa que seu entendimento a a ser obrigatório para todo o país, devendo ser observado tanto pela istração pública quanto pelo Judiciário nas instâncias inferiores.
O professor alerta para os desdobramentos:
“O maior problema não é discutir os méritos sobre a linguagem neutra, mas sim a maneira como a decisão foi fundamentada. Ao não enfrentar, de maneira robusta, os dispositivos constitucionais que regulam a competência legislativa em matéria educacional e a proteção da língua como símbolo, o Supremo abre um precedente preocupante, que poderá se refletir em futuras disputas federativas.”
Quem é Carlos André
Advogado, professor, especialista em linguística jurídica e direito educacional, Carlos André é uma das principais referências nacionais em redação jurídica, direito da linguagem e políticas públicas educacionais. Atual presidente da Comissão Nacional de Direito, Linguagem e Literatura da OAB Nacional, atua na intersecção entre direito, linguagem e ensino, com reconhecimento acadêmico e institucional em todo o país.
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