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Opinião | Maria de Fátima: de vilã absoluta a espelho da mulher brasileira

Por Fernanda Cappellesso*

Se em 1988 Maria de Fátima simbolizava o egoísmo como desvio, em 2025 ela retorna como o signo mais sofisticado da mulher que recusa o papel de mártir. O que mudou não foi apenas a personagem — foi o sistema de valores simbólicos no qual ela opera. A televisão, como espelho cultural, já não entrega vilãs unidimensionais: entrega espelhos desconfortáveis.

Maria de Fátima não evoluiu — ela se revelou. Aquilo que antes era demonizado como ambição virou agência. O que antes era desvio, agora é estratégia. A personagem se mantém sedutora, manipuladora e ambiciosa. Mas seu sentido social foi ressignificado. Ela não representa mais o erro moral — ela denuncia o erro da expectativa social sobre as mulheres.

A personagem como signo e discurso

Para Roland Barthes, em Mitologias, os signos culturais são “fatos sociais que se naturalizam”. A vilania de Maria de Fátima, nos anos 1980, foi tratada como natureza de uma mulher má — e não como construção simbólica. Agora, o mesmo signo retorna, mas o código foi quebrado.

Em 2025, Maria de Fátima encarna o que Umberto Eco chamaria de “signo aberto”: uma figura que não encerra um único sentido, mas que produz interpretações múltiplas e contraditórias. Ela não é mais a vilã clássica que merece castigo. Ela é o campo de disputa de sentidos sociais. A mulher que vive em tensão com os rótulos que a tentam fixar.

Segundo Lúcia Santaella, a leitura de signos na cultura exige que compreendamos não só o que está sendo mostrado, mas como e em que contexto esse signo se realiza. A nova Maria de Fátima atua em um ambiente em que as mulheres não precisam mais justificar seus desejos. E isso a liberta da função de antagonista para assumir um papel mais ambíguo, mais denso — e mais verdadeiro.

Do pecado à potência: o signo que incomoda

Em 1988, Maria de Fátima era a vilã que o Brasil amava odiar: ambiciosa, calculista e moralmente condenada. Seu corpo, sua fala e sua vaidade eram tratados como desvios — e sua independência, como pecado.
Em 1988, Maria de Fátima era a vilã que o Brasil amava odiar: ambiciosa, calculista e moralmente condenada. Seu corpo, sua fala e sua vaidade eram tratados como desvios — e sua independência, como pecado.

A mulher que, em 1988, era vista como índice do desvio moral, agora é lida como símbolo da insubmissão inteligente. Ela não representa uma falha de caráter, mas uma reação a um sistema que historicamente marginaliza mulheres que não pedem licença.

Para Eliseo Verón, o sentido de um signo é construído pela circulação social da mensagem — ou seja, pelo modo como o público lê, responde e reinscreve aquele signo no mundo. A Maria de Fátima de hoje circula em redes sociais, memes, editoriais de moda, reels — e retorna como um ícone de afirmação feminina em tempos de hiperconsciência social. É um signo que escapa do controle.

Ela não se torna boa. Ela se torna impossível de ignorar.

O corpo como discurso, a mulher como linguagem

Em sua nova versão, Maria de Fátima não é uma mulher em ruínas — é uma mulher em pleno vigor simbólico. Seu corpo, sua fala, sua ausência de remorso são sistemas de linguagem.

Ela não quer redenção. Quer existir fora do script tradicional da mocinha redimida. Para Barthes, isso é subversão semântica: quando um signo se recusa a obedecer à estrutura que o define, ele se torna política.

O corpo que antes era erotizado como ferramenta narrativa agora é estético e ideológico.

Não seduz por submissão — mas por autonomia.

Quando a vilã vira estrutura: o triunfo da desobediência

Em 2025, Maria de Fátima não pede desculpas: é símbolo de potência, autonomia e desejo sem culpa. O que antes era visto como vilania, hoje se revela como o direito de existir fora do script da obediência feminina
Em 2025, Maria de Fátima não pede desculpas: é símbolo de potência, autonomia e desejo sem culpa. O que antes era visto como vilania, hoje se revela como o direito de existir fora do script da obediência feminina

Maria de Fátima é hoje o que Eco chamaria de “modelo para decodificação crítica”. Sua trajetória não é mais a de uma personagem — é a de uma estrutura em disputa.

Ela é a mulher que incomoda porque vive sem dar satisfações. E que triunfa não porque vence a novela — mas porque sobrevive ao olhar moralizante da sociedade.

A personagem se transformou em uma plataforma de leitura do Brasil contemporâneo, um país que já não exige que suas mulheres sejam mártires, nem que se desculpem por existir. O que se pede agora é coragem para existir com tudo o que isso implica: escolha, erro, desejo, poder.

Se em 1988 o Brasil odiava Maria de Fátima porque via nela tudo o que uma mulher “não podia ser”, em 2025 o país a reconhece como tudo o que uma mulher pode — e tem o direito de — ser.

E esse talvez seja o seu verdadeiro desfecho: ela venceu não porque mudou. Mas porque o mundo foi obrigado a enxergá-la de verdade.

*Fernanda Cappellesso é jornalista, publicitária, especialista em marketing eleitoral e em semiótica.

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